segunda-feira, setembro 04, 2006

Minha treinadora (there I go again) já sugeriu que ficamos com um limiar mais alto pra dor após ingressar na "carreira" atlética, e ela deve estar certa. Afinal nossos treinos e provas por vezes são longos, e a gente não pode cuidar de uma bolha ou um tombo antes do seu final. A Juliana, uma menina dócil e meiga de 16 ou 17 anos que treina comigo, ganhou a etapa brasileira do X-Terra de sua categoria (e o direito de disputar a final mundial no Havaí em outubro) com um buraco na perna causado pelos dentes da coroa de sua bicicleta quando caiu na lama; terminou a corrida com a perna escorrendo sangue e só depois foi ao hospital pra receber os pontos. Eu mesmo, um patife consumado, senti que uma das bolhas de meus pés se rompeu no início da corrida em Ubatuba, e pensei: "What the heck... meu pé não vai cair; o negócio agora é correr".
Hoje me machuquei um pouquinho na piscina, porque o treino virou uma guerrinha de afundar e dar um "caldo" nos companheiros de raia no final, com as inevitáveis batidas e raspões aqui e ali. Só me dei conta quando cheguei em casa, vejam só.
Lembro-me agora de outra coisa curiosa sobre dor, ainda que não de maneira correlata. Vocês assistiram àquele filme horroroso de terror do final da década de 80, chamado "Hellraiser"?
Era uma história bem cavernosa, mas tinha um mote instigante. Tratava sobre a dor - intensa mesmo - auto-infligida. Na verdade os personagens não faziam nada sobre si mesmos, mas invocavam criaturas que eles sabiam que infligiriam sobre eles a dor. O que era muito aflitivo - e nisto o argumento era muito bem construído - era que eles sabiam que a dor seria intolerável e impossível de ser comparada com qualquer coisa que tivessem experimentado antes, e MESMO ASSIM eles atravessavam o mundo procurando o instrumento que tornaria isso possível - meio ingênuos, e meio obstinados ante a perspectiva de experimentar algo novo.
Não estou maluco, que fique bem claro que não defendo nada disso, mas na época foi um tapa na cara. Guardadas as proporções, acho que fazemos (eu, pelo menos) algo assim na vida, por vezes. Quebramos a cara carregando um forte pressentimento de que isso nos aconteceria.
Sweet suffering, como diz uma das criaturas do filme.

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