segunda-feira, novembro 03, 2008




O que é que Monteverdi e o filme The Mist têm em comum? Alguma opinião sobre os desígnios humanos, sobre a capacidade do homem de realizar coisas e ordenar o mundo.
Eu disse alguma opinião, mas não a mesma. Na verdade parecem ser diametralmente opostas. Já comentei sobre Orfeo aqui - a ópera de 1607, provavelmente a primeira obra que pode ser chamada assim (de ópera), em que se ouve "Nulla impresa per uom si tenta invano", ou seja, nenhum empreendimento humano é feito em vão. É a música mais bonita que o bom Deus pôs na Terra, esqueçam todas as outras vezes em que eu já disse isso. A ironia é que este trecho é cantado por um coro, e tem um certo ar solene; uma vez, enquanto operava alguém, eu cantava esta parte baixinho, e a senhora que estava sendo operada comentou: "Que bonito, doutor, é algum hino?" Nada poderia estar mais longe da verdade, por tratar-se de um elogio ao homem, sem dar espaço ou louvor ao bom Deus, o Autor de tudo o que há de bom entre nós.
Pois esta letra sempre me incomodou um pouco com sua insolência, e o filme veio corrigir isto. É uma história descabelada do não menos descabelado Stephen King, com aranhas gigantes e tal, mas tem duas qualidades: a primeira é que o suspense funciona - grande parte pelo excelente desempenho dos atores; e a segunda, grandiosa, é o final, que expõe nossa incapacidade de planejar o bem, e mais ainda de executá-lo. É um final assombroso, inesperado, que lava a alma, mesmo com toda a amargura que traz. Não deixem de assistir, eu peço.
Em tempo: por favor, passem por cima do tom professoral de cenas como a do depósito, em que os personagens "explicam" a natureza humana, e da obviedade da pergunta "quem é mais monstro: os monstros ou nós?", que o diretor atira na nossa cara.

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